terça-feira, 25 de março de 2014

Experiência estética - Tatuagem








Por Paula Amoroso Barbosa de Azevedo

Nomear especificamente qual das tatuagens que artistas já colocaram em meu corpo foi, essencialmente, a mais marcante, é um esforço em vão. A primeira tem seu apelo simbólico e até de certa forma ritualístico, como um rito de iniciação à prática de se injetar tinta no corpo através de agulhas e outros sistemas, mas favoritismos neste caso só desmereceriam de forma desnecessária o significado e simbolismo que carro com cada uma.

A história da tatuagem e sua disseminação especialmente cultural ao redor do mundo é curiosa. Os primeiros registros encontram-se numa múmia de sexo feminino no Egito, com traços e pontos inscritos na parte abdominal datada entre 2160 e 1994 a.C, cujas inscrições possivelmente tem proximidade com cultos à fertilidade. Pela mitologia haitiana, os deuses conceberam aos humanos a arte de tatuar, ensiando-os. Com isso, a obrigatoriedade do cumprimento com uma liturgia específica: mulheres só podem marcar os braços, pernas e rosto em contraponto com os homens, a quem estava permitido encapar a derme em tinta. A Kakoushibori, uma tatuagem de origem japonesa feita a partir de zinco, só mostra pigmentos na pele em situações de excitação corporal (alcoolizado, após o ato sexual, num banho quente).
Algumas curiosidades, no entanto, podem soar um pouco bizarras. Entre elas, o costume entre famílias de líderes maiori mortos: conservar a cabeça tatuada do líder como relíquia. E há ainda a escarificação, praticada em algumas tribos da África em mulheres, que o faziam em três momentos de suas vidas: aos dez anos marcam o peito; na primeira menstruação, os seios; após a primeira gestação, os braços, pernas e costas. A tatuagem mobiliza um artefato cultural que transborda e tira de eixo os paradigmas atuais da produção do corpo. É eterno e invasivo, um compromisso definitivo com um modelo estigmatizado de corporeidade. Ainda hoje, apesar de tanta tradicionalidade cultural envolta em seu conceito, a tatuagem é vista com maus olhos. Excepcionalmente, saliento, pela arquibancada cristã que condena a prática baseando-se em palavras como "masoquismo", "auto-mutilação" e "patologias".
O contato, principalmente inicial, com a arte da tatuagem vai além do estético, do sensitivo. É uma experiência inédita. Tal ação sugere, consigo, ruptura com o banal, com a estabilidade da relação corpórea que se mantém com o mundo e com você mesmo. O sentimento de modificação traz consigo a confirmação e uma fuga do self, a quebra e afirmação na organização subjetiva do eu. Num mundo cada vez mais globalizado, homogeinizado, e saturado de referências simbólicas, a tatuagem é tida como uma estratégia escapatória, que pode lhe dar momentaneamente distinção e reconhecimento social.
Marcar o corpo com tatuagens é uma experiência estética não apenas no sentido do resultado que tem claro em seu corpo, mas também no senso que infere uma performance sensitiva do mesmo. Do grego "aisthesis", implica a dimensão carnal das sensações e capacidades sensitivas do corpo. É uma experência que se sente (na dor óbvia, que serve de "vitamina" para a realidade quando se está sendo tatuado) e faz sentir. 

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